Mr. Bob Dylan, you know?
Texto por Marco Pestana
Fotos por Paco
As reportagens veiculadas por virtualmente todos os jornais de média e grande circulação do Rio de Janeiro na semana que antecedeu ao último show de Bob Dylan na cidade – o qual ocorreu no sábado, 8 de março de 2008 – deixaram bastante óbvio mesmo para o mais desatento dos leitores o grande clichê do momento em relação ao músico estadunidense: Dylan é, para estes arautos do óbvio, seja em sua vida pessoal, em sua aparência ou, fundamentalmente, em sua música, o homem das mudanças. Se, de um lado, é inegável a capacidade que Dylan tem de reinventar a si e a sua música, de outro, parece igualmente espantoso o modo como as continuidades de uma carreira que já dura mais de quatro décadas são solenemente ignoradas, o que é particularmente sugestivo se tratando de um artista que excursiona desde junho de 1988 com a mesma turnê (marotamente denominada Never Ending Tour).
E Dylan parece ter dado, no show do Rio, uma boa resposta àqueles que insistem em seccionar, pura e simplesmente, sua trajetória musical, ignorando as continuidades, os significados e as direções de seus experimentos. Nesse sentido, salta aos olhos a maneira dylaniana de, mantendo-se sempre fiel a suas raízes do folk e do blues, fazer sua música dialogar com diversas outras vertentes do mesmo universo pop, com especial destaque para o Rock’n’Roll em suas diversas vertentes, um pouco à maneira do jazzman, capaz de improvisar em cima de uma mesma linha melódica por horas a fio. Para além disso, não parecem ter havido mudanças significativas na estrutura de suas letras, mesmo quando comparamos as do último álbum com aquelas de sua fase acústica. Dylan continua sendo um dos poucos músicos pop capazes de produzir verdadeira poesia na forma de músicas de três ou quatro minutos que a indústria fonográfica tomou como seu padrão. Fundamentalmente, Dylan continua tendo uma personalidade marcante nessa era em que os modismos parecem governar a tudo e a todos.
E foi este Dylan, inventivo e previsível ao mesmo tempo, que o público da Arena Multiuso – bastante variado em termos de faixa etária e de estilo – recebeu no dia 8, com apenas cinco minutos de atraso em relação à hora programada para o início do show. Acompanhado por uma banda reduzida, ainda que extremamente competente, Dylan, que rapidamente deixou de lado a guitarra, para atracar-se com um teclado ao longo de quase toda a apresentação, brindou-nos, ao longo de quase duas horas, com um set list que mesclava músicas de Modern Times (último disco lançado), com alguns de seus clássicos e outras tantas pinçadas de suas mais de quatro dezenas de discos de estúdio.
Se a empolgação do público não transpareceu desde os primeiros instantes, muito se deveu ao local escolhido para o show, certamente o único fator de desapontamento da noite. A Arena mostrou-se o lugar perfeito para saciar a ânsia dos organizadores por ampliar suas margens de lucro, na mesma proporção em que frustrava nossas expectativas de aproximação do palco. Com muitas subdivisões, todas elas bem marcadas, o local praticamente esfregou na cara de todos – mas, especialmente daqueles que estavam na arquibancada 3 e que tiveram que optar entre ficar muito longe dos músicos, ou a assistir ao show de lado e com uma péssima qualidade de áudio devido à proximidade em relação às caixas de som – as vantagens de se desembolsar até 210 reais a mais por um ingresso na parte de baixo da arena, muito próxima ao palco. Resultado: cerca de 1.500 ingressos sobrando nas bilheterias, num total de 6.000 postos à venda. Na parte final do show, no entanto, o pessoal da parte de baixo redimiu a todos nós que, de cima, enfrentávamos uma verdadeira agonia por não podermos curtir o show como queríamos (isto é, basicamente, de pé), por meio de uma verdadeira avalanche rumo à beirada do palco.
Dito isto, voltemos ao que mais importa, a excelente performance de Dylan e sua banda. Sem muitos efeitos mirabolantes – o máximo a que se chegou foram variações no jogo de luzes formando imagens atrás da banda –, todas as atenções puderam voltar-se para a já mítica voz rouca de Dylan e a instrumentação, a qual buscou variações quase sempre interessantes para as músicas (que, não obstante, foram solenemente ignoradas pelo público nos clássicos, como Blowin’ in the wind e Like a rolling stone, os quais teimamos em cantar com os andamentos já consagrados). Trajando um blazer cinza e um chapéu, Dylan limitou-se a tocar suas músicas, as quais acompanhava mexendo lateralmente o pé, em uma grande seqüência, só interrompida uma vez antes do bis, para umas rápidas palavrinhas dirigidas ao público.
No fim, após a verdadeira epifania que foi assistir a uma apresentação ao vivo de Blowin’ in the wind, restou apenas a sensação de que eu poderia riscar ao menos uma das coisas da minha lista de tarefas para cumprir antes de morrer.
Fotos por Paco
As reportagens veiculadas por virtualmente todos os jornais de média e grande circulação do Rio de Janeiro na semana que antecedeu ao último show de Bob Dylan na cidade – o qual ocorreu no sábado, 8 de março de 2008 – deixaram bastante óbvio mesmo para o mais desatento dos leitores o grande clichê do momento em relação ao músico estadunidense: Dylan é, para estes arautos do óbvio, seja em sua vida pessoal, em sua aparência ou, fundamentalmente, em sua música, o homem das mudanças. Se, de um lado, é inegável a capacidade que Dylan tem de reinventar a si e a sua música, de outro, parece igualmente espantoso o modo como as continuidades de uma carreira que já dura mais de quatro décadas são solenemente ignoradas, o que é particularmente sugestivo se tratando de um artista que excursiona desde junho de 1988 com a mesma turnê (marotamente denominada Never Ending Tour).
E Dylan parece ter dado, no show do Rio, uma boa resposta àqueles que insistem em seccionar, pura e simplesmente, sua trajetória musical, ignorando as continuidades, os significados e as direções de seus experimentos. Nesse sentido, salta aos olhos a maneira dylaniana de, mantendo-se sempre fiel a suas raízes do folk e do blues, fazer sua música dialogar com diversas outras vertentes do mesmo universo pop, com especial destaque para o Rock’n’Roll em suas diversas vertentes, um pouco à maneira do jazzman, capaz de improvisar em cima de uma mesma linha melódica por horas a fio. Para além disso, não parecem ter havido mudanças significativas na estrutura de suas letras, mesmo quando comparamos as do último álbum com aquelas de sua fase acústica. Dylan continua sendo um dos poucos músicos pop capazes de produzir verdadeira poesia na forma de músicas de três ou quatro minutos que a indústria fonográfica tomou como seu padrão. Fundamentalmente, Dylan continua tendo uma personalidade marcante nessa era em que os modismos parecem governar a tudo e a todos.
E foi este Dylan, inventivo e previsível ao mesmo tempo, que o público da Arena Multiuso – bastante variado em termos de faixa etária e de estilo – recebeu no dia 8, com apenas cinco minutos de atraso em relação à hora programada para o início do show. Acompanhado por uma banda reduzida, ainda que extremamente competente, Dylan, que rapidamente deixou de lado a guitarra, para atracar-se com um teclado ao longo de quase toda a apresentação, brindou-nos, ao longo de quase duas horas, com um set list que mesclava músicas de Modern Times (último disco lançado), com alguns de seus clássicos e outras tantas pinçadas de suas mais de quatro dezenas de discos de estúdio.
Se a empolgação do público não transpareceu desde os primeiros instantes, muito se deveu ao local escolhido para o show, certamente o único fator de desapontamento da noite. A Arena mostrou-se o lugar perfeito para saciar a ânsia dos organizadores por ampliar suas margens de lucro, na mesma proporção em que frustrava nossas expectativas de aproximação do palco. Com muitas subdivisões, todas elas bem marcadas, o local praticamente esfregou na cara de todos – mas, especialmente daqueles que estavam na arquibancada 3 e que tiveram que optar entre ficar muito longe dos músicos, ou a assistir ao show de lado e com uma péssima qualidade de áudio devido à proximidade em relação às caixas de som – as vantagens de se desembolsar até 210 reais a mais por um ingresso na parte de baixo da arena, muito próxima ao palco. Resultado: cerca de 1.500 ingressos sobrando nas bilheterias, num total de 6.000 postos à venda. Na parte final do show, no entanto, o pessoal da parte de baixo redimiu a todos nós que, de cima, enfrentávamos uma verdadeira agonia por não podermos curtir o show como queríamos (isto é, basicamente, de pé), por meio de uma verdadeira avalanche rumo à beirada do palco.
Dito isto, voltemos ao que mais importa, a excelente performance de Dylan e sua banda. Sem muitos efeitos mirabolantes – o máximo a que se chegou foram variações no jogo de luzes formando imagens atrás da banda –, todas as atenções puderam voltar-se para a já mítica voz rouca de Dylan e a instrumentação, a qual buscou variações quase sempre interessantes para as músicas (que, não obstante, foram solenemente ignoradas pelo público nos clássicos, como Blowin’ in the wind e Like a rolling stone, os quais teimamos em cantar com os andamentos já consagrados). Trajando um blazer cinza e um chapéu, Dylan limitou-se a tocar suas músicas, as quais acompanhava mexendo lateralmente o pé, em uma grande seqüência, só interrompida uma vez antes do bis, para umas rápidas palavrinhas dirigidas ao público.
No fim, após a verdadeira epifania que foi assistir a uma apresentação ao vivo de Blowin’ in the wind, restou apenas a sensação de que eu poderia riscar ao menos uma das coisas da minha lista de tarefas para cumprir antes de morrer.
Repertório:
1. "Rainy day women #12 & 35 "
2. "It ain't me babe"
3. "I'll be your baby tonight"
4. "Masters of war"
5. "The levee's gonna break"
6. "Spirit on the water"
7. "Things have changed"
8. "Workingman’s blues #2"
9. "My back pages"
10. "Honest with me"
11. "When the deal goes down"
12. "Highway 61 revisited"
13. "Nettie moore"
14. "Summer days"
15. "Like a rolling stone"
Bis:
16. "Thunder on the mountain"
17. "Blowin’ in the wind"
Um comentário:
ótimo, texto! sou realmente um grande admirador da arte de Bob Dylan. que beleza!
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