Por Wesley Rodrigues
Esse texto vai tratar da questão da avaliação numérica na crítica musical (mais especialmente voltada ao Heavy Metal) como se isso fosse algo realmente importante. É que esse não é um assunto que tenha lá muita necessidade de esclarecimento ou discussão, sendo que esse texto é mais um resultado do ócio das férias do que outra coisa. O tema surgiu através de uma conversa com o Artur sobre o problema de dar uma nota ou não nas resenhas e se mostrou uma boa oportunidade para inaugurar essa seção do blog que idealizamos já faz um tempo, a Opinião.
A quase totalidade das resenhas de discos de Heavy Metal vem acompanhadas de uma nota. Geralmente, é o que primeiro vemos quando metemos o olho na crítica. Primeiro porque na maioria das vezes ela está em destaque visual (em vermelho e em tamanho maior, por exemplo). Mas o fazemos principalmente porque acreditamos que a nota tem um cárater sintético e conclusivo propiciando ao leitor uma suma da opinião do escritor - o que é ótimo para os mais preguiçosos ou apressados que não precisam ler tudo para ter uma idéia da opinião expressa ali. Mas, infelizmente, essa prática está carregada de problemas.
Números são muito imprecisos na hora de expressar a avaliação. Alguém poderia discordar dizendo que a nota um é bem diferente da nota oito, por exemplo. Afinal, uma expressa uma avaliação ruim e a outra, uma boa. Realmente, isso está claro ainda que não esteja claro o que cada uma delas representa se tomadas individualmente e, mais ainda, essa distância de sete pontos que as separa. De qualquer forma, não é nesses termos que vemos a coisa se dar nas resenhas que lemos por aí. Ou seja, na maior parte das vezes elas não variam em termos de positivo-negativo mas dentro daquela margem de notas que expressam, por assim dizer, “positividade”. E é aí que a coisa complica. Sabemos que a nota nove é positiva. A nota oito também. Mas qual a real diferença entre elas? O que esse ponto significa? Por que o crítico musical, dentro de sua avaliação positiva do disco (ou do dvd, ou do show...), deu esta nota e não aquela? Ou melhor, como é que a sua opinião sobre o seu objeto traduz-se naquela nota em particular e não em nenhuma outra próxima? Consideramos impossível a consideração das nossas palavras como transmissoras perfeitas e completas dos nossos pensamentos. O que se dirá então dos números em relação aos nossos pensamentos (e palavras)? Entre a idéia que o crítico faz na sua mente do disco e a numeralização disso há um processo nada matemático ou objetivo. Não existe correlação “perfeita” entre esses dois elementos como há quando associamos macaco à banana ou Paris à torre Eiffel (para usar uma comparação um tanto tosca). É um processo que sofre múltiplas influências de conjuntura, de circunstância, que o podem fazer variar de um momento para o outro. Por isso, navega sempre em mar de inexatidão, ainda que o crítico ache que possa fazer a tradução perfeitamente.
Já demos o nosso primeiro passo de prolixidade e inutilidade posto que é unânime a imperfeição desse sistema. Vamos ao segundo, porém. É dificil, já o vimos, entender o significado de um ponto (ou de meio ponto, ou um ponto e meio) dentro de uma avaliação positiva. Será que a coisa muda de figura quando temos aquela nota de cárater absoluto, qual seja, o dez? O que é a nota dez? É a nota máxima. Isso resolve o nosso problema, entretanto? Isto é, será que o dez nos transmite algo menos impreciso? Tenho para mim que não, que absolutamente nada muda. O significado de um dez pode variar da mesma forma que o significado de um oito e meio. Isso porque o crítico tem um critério (ou critérios) estabelecido de antemão (e aqui entramos no nosso segundo argumento). Esse critério (ou critérios) pode estar explícito ou não (para o leitor ou para ele mesmo), pode ser algo bem fixo na mente de quem escreve ou mais frouxo e variável. Entretanto, ele está sempre lá.
O significado de um dez, dizíamos, pode variar da mesma forma que o significado de um oito e meio. A Roadie Crew, por exemplo, lhe dá um sentido bem específico que é o de clássico. Ali, o dez é algo a mais que o excelente (que corresponde à nota nove). O disco que ganha um dez é como um marco, algo memorável ou sei lá mais o quê. Talvez esteja na hora de também eles definirem o que é um clássico... Outras leituras podem ser feitas. Dez pode significar perfeição no sentido de que tudo o que foi feito no disco (solos, letras, linhas vocais) está irretocável, como se fosse da melhor forma possível. Dez pode também ter um significado menos rígido como por exemplo o de que ele atende a vários quisitos de forma satisfatória sendo não necessariamente que todos os elementos ali não possam ficar melhores.
E mil outras podemos citar aqui. Alguns podem ter como parametro o nível técnico. Dessa forma, para essas pessoas, um disco do Dream Theater será sempre melhor que um do Ramones e o Malmsteen é um guitarrista melhor do que o Adrian Smith. Outros prezarão mais pelo quisito originalidade. É nessa linha que vai grande parte das críticas ao Rhapsody, que enfatizam que o grupo faz a mesma coisa desde o seu primeiro trabalho. Assim também foi a ressalva que Vitão Bonesso (da Roadie Crew) fez ao novo do Arch Enemy: “Está na hora de algumas inovações”. Por outro lado, outros se mostram refratários a qualquer redirecionamento: se a banda mudou, se torce o nariz e nunca vai se dar um dez. Assim pensam aqueles que, primeiramente, estranharam o Chaos A.D. para depois, com o Roots, condenarem o Sepultura como banda de passado glorioso que se afastou da música de qualidade para enveredar por rumos bizarros. Tem o caso também do A Night at the Opera do Blind Guardian, em que a banda injetou mais coros e orquestrações e causou estranheza. O problema tem um agravante quando o padrão imposto não é exposto. A gente, então, fica sem saber sobre que base se deu aquilo. Mais um problema nos perturba se pensarmos que também os leitores carregam seus padrões...
O nosso raciocínio pode nos conduzir para uma crítica além daquela do dar uma nota, indo no sentido da crítica à crítica como algo que carrega sempre uma idéia de ideal. Pensar nisso revela que o dar uma nota é um processo secundário, sendo o x da questão a análise do anterior momento da formação de opinião do crítico, momento esse que é o do encontro dos critério, das expectativas, dos preconceitos, etc. do crítico com o objeto que ele vai analisar. Mas eu não vou falar sobre isso.
Acredito que mesmo se hoje o leitor seja desocupado o bastante para ler esse texto, em algum momento da vida deve ter tido responsabilidades maiores junto ao sistema escolar. Nesse caso, deve estar concordando com o que eu estou dizendo. A coisa tendia a ficar mais patente nas aulas de redação. Quando alguém tirava um sete, se perguntava naturalmente por quê. Se via três erros de acentuação, imaginava que foi descontado um ponto por erro. Aí o indivíduo via que a redação do colega estava muito mais rabiscada porém com uma nota maior. Talvez, ele até fosse à professora para que ela explicasse a diferença. Ela com certeza começaria falar em termos de significado vago e em milésimos de segundo depois ele lembraria que tudo que ele quer é sair dali, ir embora para casa e jogar videogame. É óbvio que a professora não conseguiria satisfazer a curiosidade do aluno em saber como se deu o mecanismo. É porque ele busca um processo objetivo, mecânico, e nada está mais longe disso do que a correção de redações. É nesse mesmo caminho perdido que rumam tanto o resenhista que acredita na sua nota quanto o leitor que se fixa unicamente a ela ignorando o resto.
Mas talvez estejamos sendo severos demais. Apesar da imprecisão, um número sempre expressa algo e ainda que capengamente ele não deixa de fazer uma síntese da avaliação do crítico. E mais: ele muitas vezes não bastando ter cárater conclusivo, é utilizado como suplemento ao texto, de forma que o crítico fala no número o que não fala na resenha, tornando o número palavra na medida em que ele é algo além do símbolo que sumariza e concentra em si a opinião, ou seja, além de sintetizar, ele acrescenta. (isso acontece por exemplo quando lemos um review que do começo ao fim elogia muito a banda (o que indicaria um dez) mas no final dá um oito -sem explicar o por que de subtrair dois pontos-).
Por isso, a nota ainda conserva algum resquício de dignidade e validez. Ainda assim, julgo que melhor do que se fixar em um número é ler as palavras. Mas isso também é problemático, o que não nos deixa outra saída a não ser ouvir o cd para ver se nós gostamos dele ou não. Isso, com certeza, é o melhor a se fazer já que se guiar pela opinião alheia incorporando-a pode ser uma verdadeira corrente para aquele que pretende curtir música.
Esse texto vai tratar da questão da avaliação numérica na crítica musical (mais especialmente voltada ao Heavy Metal) como se isso fosse algo realmente importante. É que esse não é um assunto que tenha lá muita necessidade de esclarecimento ou discussão, sendo que esse texto é mais um resultado do ócio das férias do que outra coisa. O tema surgiu através de uma conversa com o Artur sobre o problema de dar uma nota ou não nas resenhas e se mostrou uma boa oportunidade para inaugurar essa seção do blog que idealizamos já faz um tempo, a Opinião.
A quase totalidade das resenhas de discos de Heavy Metal vem acompanhadas de uma nota. Geralmente, é o que primeiro vemos quando metemos o olho na crítica. Primeiro porque na maioria das vezes ela está em destaque visual (em vermelho e em tamanho maior, por exemplo). Mas o fazemos principalmente porque acreditamos que a nota tem um cárater sintético e conclusivo propiciando ao leitor uma suma da opinião do escritor - o que é ótimo para os mais preguiçosos ou apressados que não precisam ler tudo para ter uma idéia da opinião expressa ali. Mas, infelizmente, essa prática está carregada de problemas.
Números são muito imprecisos na hora de expressar a avaliação. Alguém poderia discordar dizendo que a nota um é bem diferente da nota oito, por exemplo. Afinal, uma expressa uma avaliação ruim e a outra, uma boa. Realmente, isso está claro ainda que não esteja claro o que cada uma delas representa se tomadas individualmente e, mais ainda, essa distância de sete pontos que as separa. De qualquer forma, não é nesses termos que vemos a coisa se dar nas resenhas que lemos por aí. Ou seja, na maior parte das vezes elas não variam em termos de positivo-negativo mas dentro daquela margem de notas que expressam, por assim dizer, “positividade”. E é aí que a coisa complica. Sabemos que a nota nove é positiva. A nota oito também. Mas qual a real diferença entre elas? O que esse ponto significa? Por que o crítico musical, dentro de sua avaliação positiva do disco (ou do dvd, ou do show...), deu esta nota e não aquela? Ou melhor, como é que a sua opinião sobre o seu objeto traduz-se naquela nota em particular e não em nenhuma outra próxima? Consideramos impossível a consideração das nossas palavras como transmissoras perfeitas e completas dos nossos pensamentos. O que se dirá então dos números em relação aos nossos pensamentos (e palavras)? Entre a idéia que o crítico faz na sua mente do disco e a numeralização disso há um processo nada matemático ou objetivo. Não existe correlação “perfeita” entre esses dois elementos como há quando associamos macaco à banana ou Paris à torre Eiffel (para usar uma comparação um tanto tosca). É um processo que sofre múltiplas influências de conjuntura, de circunstância, que o podem fazer variar de um momento para o outro. Por isso, navega sempre em mar de inexatidão, ainda que o crítico ache que possa fazer a tradução perfeitamente.
Já demos o nosso primeiro passo de prolixidade e inutilidade posto que é unânime a imperfeição desse sistema. Vamos ao segundo, porém. É dificil, já o vimos, entender o significado de um ponto (ou de meio ponto, ou um ponto e meio) dentro de uma avaliação positiva. Será que a coisa muda de figura quando temos aquela nota de cárater absoluto, qual seja, o dez? O que é a nota dez? É a nota máxima. Isso resolve o nosso problema, entretanto? Isto é, será que o dez nos transmite algo menos impreciso? Tenho para mim que não, que absolutamente nada muda. O significado de um dez pode variar da mesma forma que o significado de um oito e meio. Isso porque o crítico tem um critério (ou critérios) estabelecido de antemão (e aqui entramos no nosso segundo argumento). Esse critério (ou critérios) pode estar explícito ou não (para o leitor ou para ele mesmo), pode ser algo bem fixo na mente de quem escreve ou mais frouxo e variável. Entretanto, ele está sempre lá.
O significado de um dez, dizíamos, pode variar da mesma forma que o significado de um oito e meio. A Roadie Crew, por exemplo, lhe dá um sentido bem específico que é o de clássico. Ali, o dez é algo a mais que o excelente (que corresponde à nota nove). O disco que ganha um dez é como um marco, algo memorável ou sei lá mais o quê. Talvez esteja na hora de também eles definirem o que é um clássico... Outras leituras podem ser feitas. Dez pode significar perfeição no sentido de que tudo o que foi feito no disco (solos, letras, linhas vocais) está irretocável, como se fosse da melhor forma possível. Dez pode também ter um significado menos rígido como por exemplo o de que ele atende a vários quisitos de forma satisfatória sendo não necessariamente que todos os elementos ali não possam ficar melhores.
E mil outras podemos citar aqui. Alguns podem ter como parametro o nível técnico. Dessa forma, para essas pessoas, um disco do Dream Theater será sempre melhor que um do Ramones e o Malmsteen é um guitarrista melhor do que o Adrian Smith. Outros prezarão mais pelo quisito originalidade. É nessa linha que vai grande parte das críticas ao Rhapsody, que enfatizam que o grupo faz a mesma coisa desde o seu primeiro trabalho. Assim também foi a ressalva que Vitão Bonesso (da Roadie Crew) fez ao novo do Arch Enemy: “Está na hora de algumas inovações”. Por outro lado, outros se mostram refratários a qualquer redirecionamento: se a banda mudou, se torce o nariz e nunca vai se dar um dez. Assim pensam aqueles que, primeiramente, estranharam o Chaos A.D. para depois, com o Roots, condenarem o Sepultura como banda de passado glorioso que se afastou da música de qualidade para enveredar por rumos bizarros. Tem o caso também do A Night at the Opera do Blind Guardian, em que a banda injetou mais coros e orquestrações e causou estranheza. O problema tem um agravante quando o padrão imposto não é exposto. A gente, então, fica sem saber sobre que base se deu aquilo. Mais um problema nos perturba se pensarmos que também os leitores carregam seus padrões...
O nosso raciocínio pode nos conduzir para uma crítica além daquela do dar uma nota, indo no sentido da crítica à crítica como algo que carrega sempre uma idéia de ideal. Pensar nisso revela que o dar uma nota é um processo secundário, sendo o x da questão a análise do anterior momento da formação de opinião do crítico, momento esse que é o do encontro dos critério, das expectativas, dos preconceitos, etc. do crítico com o objeto que ele vai analisar. Mas eu não vou falar sobre isso.
Acredito que mesmo se hoje o leitor seja desocupado o bastante para ler esse texto, em algum momento da vida deve ter tido responsabilidades maiores junto ao sistema escolar. Nesse caso, deve estar concordando com o que eu estou dizendo. A coisa tendia a ficar mais patente nas aulas de redação. Quando alguém tirava um sete, se perguntava naturalmente por quê. Se via três erros de acentuação, imaginava que foi descontado um ponto por erro. Aí o indivíduo via que a redação do colega estava muito mais rabiscada porém com uma nota maior. Talvez, ele até fosse à professora para que ela explicasse a diferença. Ela com certeza começaria falar em termos de significado vago e em milésimos de segundo depois ele lembraria que tudo que ele quer é sair dali, ir embora para casa e jogar videogame. É óbvio que a professora não conseguiria satisfazer a curiosidade do aluno em saber como se deu o mecanismo. É porque ele busca um processo objetivo, mecânico, e nada está mais longe disso do que a correção de redações. É nesse mesmo caminho perdido que rumam tanto o resenhista que acredita na sua nota quanto o leitor que se fixa unicamente a ela ignorando o resto.
Mas talvez estejamos sendo severos demais. Apesar da imprecisão, um número sempre expressa algo e ainda que capengamente ele não deixa de fazer uma síntese da avaliação do crítico. E mais: ele muitas vezes não bastando ter cárater conclusivo, é utilizado como suplemento ao texto, de forma que o crítico fala no número o que não fala na resenha, tornando o número palavra na medida em que ele é algo além do símbolo que sumariza e concentra em si a opinião, ou seja, além de sintetizar, ele acrescenta. (isso acontece por exemplo quando lemos um review que do começo ao fim elogia muito a banda (o que indicaria um dez) mas no final dá um oito -sem explicar o por que de subtrair dois pontos-).
Por isso, a nota ainda conserva algum resquício de dignidade e validez. Ainda assim, julgo que melhor do que se fixar em um número é ler as palavras. Mas isso também é problemático, o que não nos deixa outra saída a não ser ouvir o cd para ver se nós gostamos dele ou não. Isso, com certeza, é o melhor a se fazer já que se guiar pela opinião alheia incorporando-a pode ser uma verdadeira corrente para aquele que pretende curtir música.
3 comentários:
Eu acho muito bom que o blog esteja se diversificando e criando novas seções.
Esse texto é bem legal.
Nota 10 esse texto. =P
Só achei que faltou uma tomada de posição mais clara. No início eu estava pronto para abolir as notas do mundo, mas o final é dúbio. Ou dialético?
Só explicitando o que já está no texto: as mesmas problemáticas funcionam para notas de filmes.
Paulo, eu poderia exlicitar a minha posição desde o começo mas aí eu ia perder o estilo francês de escrita, né?
E eu o considero dialético sim, apesar de desequilibrado.
Abraços
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