terça-feira, 9 de setembro de 2008

Opinião: O que é a cena?

Por Gabriel Bastos

Antes de tudo, gostaria de parabenizar o blog Arise por esse espaço de textos de opinião, muito interessante a iniciativa. E venho fazer a minha “estréia” por aqui com um assunto que se tornou muito freqüente (espero que não tenha se tornado maçante) nos últimos anos: a tal da “cena”. Afinal de contas, o que ela é? Como ela afeta as nossas vidas? Como funciona? Por que pessoas de diversas regiões do país reclamam de uma “crise da cena”? Por que essa crise existe? Não vou tentar responder essas questões como verdades, mas sim pelo o que eu venho observando nesses últimos anos e conseqüentemente concluindo. Não vou entrar muito no caso específico da cena carioca, pois não passo de um recém-chegado nessa cidade e por alguns motivos de saúde tive oportunidade de ir a poucos shows e assim observar os fenômenos da cena. Portanto, meu texto vai focalizar a cena mais em um contexto geral mesmo. Um contexto nacional.

Para explorar o ponto em que quero chegar nesse texto, o mais prudente seria começar pelas duas primeiras perguntas. Eu acho que quando nos referimos a palavra “cena”, estaríamos nos referindo a um fenômeno de manifestação cultural local. Mas que diabos é uma manifestação cultural? Seria uma manifestação de uma série de coisas que envolvem uma cultura. No nosso caso, a manifestação cultural em questão seria o metal e essa série de coisas seria eventos relacionados ao estilo. Shows, workshops de músicos do estilo ou qualquer outra coisa que mantenha essa cultura (o metal) viva. Podemos nos referir em vários contextos locais (municipal, estadual, nacional e etc...).

Como ela afeta as nossas vidas? Simples: além de termos um leque maior de coisas pra fazer no quesito lazer (ir a eventos é acima de tudo lazer!), quanto mais shows sérios acontecerem na região em que vivemos, mais oportunidades para se promoverem as bandas sérias. Essas bandas, conseqüentemente, poderão lançar mais material gravado (isso afeta diretamente a sua vida no quesito lazer também, pois você terá mais coisa de qualidade para ouvir em sua casa), tendo mais material gravado poderão excursionar em outras regiões (caso essa região tenha uma cena aceitável com infra-estrutura aceitável para receber a banda), atrair mais público para o estilo... em conseqüência de uma cena local forte, bandas de outras regiões também terão a oportunidade de tocar na cidade da cena em questão, e se tudo for crescendo (no plano macro e no plano micro), a cena vai se fortalecendo e assim as bandas novas terão mais chances para se promoverem e por aí vai. É um ciclo.

Mas o que será que está abalando esse ciclo, que se olharmos rapidamente é tão fácil de estar em harmonia? Aliás, qual parte do ciclo está deficiente?

Atualmente a cena brasileira se encontra com nomes brilhantes no underground e um mainstream enfraquecido. Digo, o underground está com problemas de público e em algumas cidades até com problema de infra-estrutura, enquanto o mainstream (quando me refiro ao mainstream não me refiro no sentido degenerativo, me refiro apenas a bandas que atingiram um patamar maior de sucesso) está com os grandes nomes de outrora, meio abalados. É o que muitos reclamam: Sepultura desfalcado sem os irmãos Cavalera; Angra com as atividades pausadas; Korzus há um milhão de anos sem lançar um álbum novo; Shaman com a formação nova completamente insatisfatória, com o André Matos do outro lado que não conseguiu agradar muito o público direcionado (no entanto este último é o que ta se dando melhor ultimamente) etc e tal... Grandes nomes que outrora eram respeitadíssimos e realmente faziam uma imagem extremamente positiva (e merecida também) do que é o metal brasileiro pelo mundo todo, agora estão em decadência e isso realmente me entristece. Algumas dessas bandas grandes podem até ser classificadas como modinha por alguns, mas é inegável o mérito e as portas que eles abriram pra toda a cena nacional que existe hoje. Mas isso não vem ao caso, quero falar um pouco mais do underground e das bandas ascendentes.

Em contraponto, é inegável também que as bandas da cena underground brasileira são simplesmente (desculpe o termo) FODAS. São inúmeras bandas com qualidade acima da média do mainstream que eu ando vendo por ai que eu sou ultra fã (não preciso fazer a lista aqui, pois ocuparia muito espaço), mas que infelizmente não conseguem atingir um patamar superior do que já atingiram. Refiro-me a um patamar de reconhecimento, não de qualidade, pois este segundo a maioria dessas bandas do riquíssimo underground tem e de sobra.

Isso é preocupante Porque sinceramente, acho que não tem nada a ver essa bitolação de underground, que "saiu do completo underground, fico ruim". Não, isso não tem nada a ver.

Veja bem: antes de tudo, o metal em si (podem discordar à vontade) É underground. Bandas famosas mesmo como Primal Fear, Krisiun, Helloween (me refiro a bandas do dito médio mainstream) nunca chegaram aos ouvidos das grandes massas. Pode perguntar pra qualquer amigo seu que não gosta de metal. Cita o nome de umas cinco bandas que não sejam ultra famosas, vai ver se o cara conhece... Portanto esse termo "mainstream" é muito duvidoso. Eu diria "mainstream do metal" compreendem? Bandas que tem um reconhecimento internacional dentro do meio do metal.

Mas isso não vem tanto ao caso assim...

O que eu quero ressaltar aqui é o motivo da importância de uma banda sair do underground e partir para o mainstream do metal. É bem simples: se o músico não tiver como se sustentar com sua música, ele vai precisar de outro trabalho, que vai demandar mais tempo, assim produzirá menos música, terá menos tempo a se dedicar à banda, esse fenômeno se repetirá com os outros membros da banda, o problema vai virando uma bola de neve e de repente a banda acaba por falta de recursos mesmo.

Então, eu acho vital uma banda ter como pagar o aluguel e todas as contas de todos os membros da mesma para eles poderem (literalmente) viver de música! Pra mim essa é a concepção de sair do underground e partir para o mainstream do metal: ter a banda como se fosse o seu emprego.

A partir daí a banda pode gravar muitos outros discos, fazer muito mais shows, abrir muito mais portas para as bandas do underground. Pois dessa forma a banda atingirá um público bem maior, serão mais pessoas curtindo o som, conseqüentemente mais pessoas freqüentando shows e etc.. Em outras palavras: O mainstream também enriquece a cena!

Pra mim é bem claro: é um ciclo a importância do mainstream e do underground.

O mainstream que é responsável para trazer cada vez mais e mais pessoas para dentro da cena e o underground é a base de tudo, é o dia-a-dia, são os shows em que você vai nos fins de semana!

Portanto é completamente inválido glamorizar um e denegrir o outro. Se o mainstream acabar, o underground acaba e vice-versa.

Então, realmente é muito válido (e justo também) querermos que as bandas undergrounds se firmem, terem o nome que realmente merecem. E ao mesmo tempo precisamos de um underground forte com intercâmbio de bandas por todo o país para sustentarmos a cena.

Claro, inúmeras bandas do underground que estão traçando esse caminho. Basta observar a cena underground da sua região, que eu duvido (independente de onde você more) que não vai ter nenhuma banda underground com um som de extrema qualidade que está abrindo o seu caminho. Se você quiser observar mais e mais, basta ir ao roça'n'roll ou ao BMU que verá bandas do Brasil inteiro traçando tal caminho.

Mas o grande problema mesmo é não conseguir se firmar no mainstream mesmo...

E porque que isso acontece? É uma charada que tentamos decifrar dia após dia. São muitos fatores por trás disso (alguns até mesmo sociais). Nesses meus anos de membro ativo, freqüentador e acima de tudo observador do underground, do fenômeno da dita “cena”, após presenciar e as vezes até mesmo vivenciar algumas dessas barreiras, ao meu ver os motivos são esses:

1-FATROR MONETÁRIO: uma vez que o metal é um movimento cultural que não tem nenhum incentivo cultural (pelo contrário, é apenas vítima de preconceito dos setores mais conservadores da sociedade), são os próprios fãs que bancam a movimentação desse movimento cultural. Entenda-se isso por organizar shows, trazer bandas de outras regiões, levar bandas da sua região para as demais, pagar a gravação de um cd completo, EP ou demo. Portanto, o problema já começa a se misturar com os problemas sociais de nosso país. Isso é fato: muitas bandas excelentes acabam pois gastam uma puta grana pra se sustentar e recebem muito pouco em troca. Acho que é por isso que na Europa temos uma cena com muito mais intercâmbio de bandas (não só da Europa, mas do mundo inteiro) e bandas que conseguem sair do undergound pro mainstrem: Porque eles têm mais dinheiro pra bancar essa longa jornada até o reconhecimento que as bandas merecem, e (quem sabe? estou chutando isso) porque lá tem mais incentivo cultural a música.

2-ATENÇAÕ DA MÍDIA ESPECIALIZADA PRA CENA NACIONAL: Realmente, é vergonhoso. Enquanto temos uma cena com bandas novas de excelente qualidade em todos os cantos do país, as grandes revistas dão muito mais atenção a bandas e eventos fora do Brasil. Nada contra dar atenção merecida a bandas e eventos gringos de qualidade, mas exagerar nisso e dar quase que nenhuma atenção para o underground nacional (que poderia estar entrando no mainstrem DO METAL) chega a ser sacanagem. Exemplo: lembram-se do Live'n'louder? Muita mídia especializada deu muito mais atenção ao Wacken ao invés do Live. E além disso, não sobra quase nada para o underground nacional que é praticamente abandonado pela mídia especializada.

3-MAIS ACEITAÇÃO DO PÚBLICO: é uma pena também que a maioria do público prefere ver o show de uma banda tocando cover de Iron Maiden do que uma banda com músicas próprias de qualidade. E, além disso, o público deve parar de criar essa rivalidade entre as vertentes do metal. Um odeia Death porque gosta de Melódico, o outro odeia Melódico porque gosta de Thrash e por ai vai. Quem sai perdendo com isso somos nós mesmos.

Podem existir muitos outros problemas por ai para a nossa cena que eu não consegui observar ou me recordar. Mas o grande lance é fazer a sua parte para que a mesma possa se desenvolver. Topa?

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom o texto! parabéns