quarta-feira, 4 de novembro de 2009

CD Review: Muse - The Resistance

Por Álvaro Figueiró



Para tentar definir o estilo do novo álbum do Muse, The Resistance, eu deveria empregar oitava rima, mas não com a mão de Camões e sim com a do Padre Macedo: há um misto de grandiosidade e pretensão, cujo resultado, porém, é bem palatável. Que a banda, cedo ou tarde, fosse fazer um álbum como esse, com uma gorda seção sinfônica, não era nenhuma novidade para quem tivesse algum contato com Absolution e Black Holes and Revelations. O problema é que, em meio à trabalheira que é harmonizar uma orquestra, esqueceram da emotividade que deveria estar nas notas dos violinos, violas, violoncelos.

Ao arsenal de misturança que o trio já manejava com destreza – eletrônico, progressivo, citações de compositores eruditos, metal –, ousaram acrescentar o fanquemélodi: Undisclosed Desires poderia facilmente haver sido composta e interpretada por ninguém menos do que Latino ou Stevie B, embora nambos os casos estaríamos diante de suas respectivas magnae opera. I Belong to You corporifica o espírito de pastiche ao sanduichar uma ária do velho Saint-Saëns (com sotaque de francês aprendido pelo Instituto Universal), coadjuvada na saída pelo mais bizarro solo de clarineta baixo desde... desde que o instrumento foi inventado. Uprising retira boa parte de sua energia da nostalgia do ouvinte, já que o rife eletrônico que abre a peça só pode remeter-nos aos perrengues de infância diante dum Phantom System municiado com Castlevania; Resistance, cheia de sintetizadores fantasmagóricos e mudanças brutais de dinâmica, toca quando nos aproximamos do chefão final... Já que estamos gastando nas comparações, que dizer daquela canção, se é que merece o nome, que resume a megalomania do álbum? A primeira parte de Exogenesis lembra alquando trilha sonora de filme, sem dúvida concernente a abduções e mancomunações entre governos e multinacionais, John Williams no power chord; a segunda trilha a vereda que o Muse sempre seguiu quando há pianos e cordas em redor, ou seja, virtuosismos e falsetes desesperados de Bellamy; a terceira involui um piano belamente meditativo para uma balada banal em que o patos se quer espremer dos violinos e da sustentação de agudos nos vocais – cascatas de vocais. Guding Light achei michuba, mas me cheira a essas que se tornam queridinhas do público. United States of Eurasia sumaria os efeitos de seja lá qual droga que aditivou a banda (a julgar pela capa toda cheguei, presumo LSD): começa Coldplay, metamorfoseia-se do nada em Queen, mantém um momento John Zorn (Khebar) ou tema d’O Clone e finda longamente com Chopin, o Chopin das caixinhas-de-música querendo soar desenho da Disney, arrematado pelo ruído dum avião (garanto que semelhante descrição é fidedigna e que a fiz sóbrio!).

No mundo tatibitate do roque, no fastio de compassos quartenários e letras de amor, a iniciativa do Muse é louvável: tentou-se fugir à pasmaceira, mas há ainda algo de sol-e-dó, verso e refrão, com o grande inconveniente que essas estruturas soem desconhecer: as canções não parecem grudar, com poucas exceções carecem daquele poder de fixação característico da música profunda – não a meramente alta. Nesse sentido, a faixa mais bem lograda é mesmo a que roubaram do Latino, a mais simples de todas, pois os pizzicati formam a matéria-prima do chiclete melódico. Quem não gosta de Muse continuará sem gostar tampouco os fãs encontrarão motivos para desilusão e ir curiosear substâncias daninhas (p. ex., sucessos da cúmbia como Alma Bella, que acabei de descobrir em Lima).

Aonde The Resistance poderá levar? A uma futura obra-prima ou à carreira solo de Bellamy...

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